4.ª aula - 4
de Dezembro
Querido
diário:
Cheguei à aula dois minutos antes de ela
começar. Avisei que ia tomar café porque estava a dormir em pé, e ameacei que,
sem ele, continuaria a dormir sentada, ao volante. Procurava, assim, justificar igualmente a minha inaptidão de anteontem. O instrutor disse-me:
"Força!". Se calhar, pensava que eu levava alguns dez minutos a tomar
o café, mas enganou-se. Dois minutos depois, lá estava eu, pronta para mais
uma. Ele disse que ia só à casa-de-banho, eu respondi "Força!", e ele
literalmente correu para lá. Acho que anda cheio de nervos, coitado. Lá coisas
da vida dele, certamente.
Sem qualquer
justificação aparente, o carro que usei nas duas primeiras aulas continua na
oficina. Portanto, apanhei outra vez com o da embraiagem só para mim. Hoje só
meti um "prego". Amanhã não meto nenhum. Ele faz uma cara
ai-minha-rica-caixa-de-velocidades, mas não se pronuncia grandemente.
Suponho que vai consciente, inclusivamente porque me mandou outra vez para o
deserto. Fartei-me de dar voltas e mais voltas naquele parque vazio. Deve ser
um frete igual conduzir em Dakar (naquilo do Paris). Estive tentada a meter uma terceira, só para
lhe mostrar do que sou capaz, mas não meti (porque não sou capaz).
Mesmo assim,
ainda se aventurou comigo até ao Sporting velho. Já me confessou que é sportinguista,
só pode ser por isso que me faz levá-lo a passear entre estádios verdejantes.
Nessa rua, há cerca de três séculos em obras, enfiei uma roda num buraco, e ele
gemeu. Capaz de aquilo na casa-de-banho não lhe ter corrido de feição.
Eu sou uma
condutora-aprendiz-instruenda inexperiente, mas não faço só disparates. Ainda
faço bastantes, mas vou ao lugar. Por falar nisso, já estaciono o carro nos
buracos mais pequenos que ele encontra. Pareço uma costureira, a enfiar a linha
no buraco. É a melhor comparação que me ocorre agora.
Amanhã
volto.
Blue
~
5.ª aula - 5 de Dezembro
Querido
diário:
Bom, eu
progrido na condução de dia para dia. Conforme prometi ontem, hoje não meti
nenhum "prego". Ainda me dirigi para o lugar do passageiro, quando o
instrutor me lembrou que eu ia conduzir, não passear, mas foi tudo. É só um
vício que tenho que corrigir, apesar de estar convencida que não vou chumbar no
exame por causa deste engano.
Quando
acordei de manhã, pensei que ia, finalmente, fazer o meu primeiro dia de
condução com chuva — que ia estrear os limpa-pára-brisas. Mas não, esteve
sempre a ameaçar tem-te-não-caias, mas não choveu.
Hoje meti
terceira! Íamos a descer a Av. Padre Cruz, ele disse-me aquelas palavrinhas
mágicas, e eu engatei a mudança dos meus sonhos, em pleno complexo Buzz
Lightyear, para o infinito e mais além!. Quinta lição, quinta
dimensão. Mais adiante, um sinal vermelho. Travei, suavemente, e verifiquei que
a cabeça do instrutor já não parece tanto uma bola lançada à parede quando eu
travo. Nem quando eu arranco.
À entrada de
uma curva, buzinei outra vez sem querer. Mas descartei-me assim: "Isto foi
para assinalar a minha chegada. E também, ia ali um ciclista, era a ver se o
fazia cair". Ele já vai começando a descontrair-se e até se ri de algumas
coisas que eu digo. Falámos sobre crianças a aula toda. Ele só tem um filho,
com 14 meses, de modo que eu tenho muito que lhe ensinar.
Mesmo na
condução, tenho muito que lhe ensinar. Acredito sinceramente que ele vai ficar
mais rico quando acabarmos estas aulas. E vai empobrecer quando me vir partir —
a toda a velocidade — da vida dele.
Até terça.
Blue
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