domingo, 11 de outubro de 2015

tristezas não apagam facebooks*

triste tentativa de adaptação do "tristezas não pagam dividas".

há pessoas que propagam a própria infelicidade de forma crónica. nunca nada, em qualquer coisa que façam, vivam, sintam, está bem. a infelicidade corre-lhes no sangue como um parasita e sentem uma imensa dificuldade em viver para além disso. acarinham até, às vezes, aquele parasita com carinho, numa espécie de compreensão pelo responsável pelas próprias dores.
há pessoas muito tristes:

a rapariga, gorducha, feiinha, casada aos vinte, com quatro filhos aos vinte e cinco, está desempregada desde que estudou. é o marido, balofo de álcool e gordura, cara imensa, que a mantém, e à prole, trabalhando fora do país, que em portugal não há dinheiro para um só manter cinco.
a rapariga entra numa espécie de depressão que alimenta no facebook com concentração. espeta em fotografia de perfil as trombas maquilhadas do dia de casamento e em destaque a fotografia da prole, os putos todos, alinhados, muito direitos.
todos os dias escreve qualquer coisa. que a vida é uma merda, que tem saudades do marido e que lhe apetece morrer. em cada comentário destes alguém vem, muito solicito, com palavras de amizade "pk coisa?" e "k s passa?"
todo um rol de queixas: que o país é feio, que o marido está longe, que tem de, sozinha, tomar conta de quatro crianças. assim, ali exposto no facebook para os quinhentos e dez amigos. para quê ler um drama ou ir ao cinema quando basta abrir o pc? 
a mulher prossegue, todos os dias é esta dor.
enfim, o marido volta a casa, depois de tanta queixa, tanta ânsia, tanta tristeza e decide levá-la com ele, juntamente com a criançada toda. respiramos de alivio. deixa de haver ameaças de morte, frases de tristeza e citações brasileiras de saudade. 
portanto, tudo está bem quando acaba bem, certo?
não. na última semana a senhora, cansada da rotina, dos dias claros, da ausência de comentários e atividade no facebook, decidiu retomar a ladainha: pois que agora tem saudades de casa, não gosta de onde está, que lá não se faz nada e quer voltar para portugal. sempre com as trombas de casamento e a prole alinhada em fotografia de fundo.
tudo assim, ali escrito, com muitos ks e pks e estados e imagens de nossa senhora de fátima. e toda a gente outra vez, a perguntar k se passa, k tem ela, k dores são aquelas, que o país não foge.
todos os dias. é ou não é bom?

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